E da profundidade úmida e ainda escura da mata que docemente
prateia com ínfimos raios de sol quando os relógios da manhã ainda se
espreguiçam sonolentos, vejo subitamente sobre os quadriculados da armação da
porta, dois passarinhos em dúvida do que fazer. Seus pés são frágeis. Mesmo
assim, numa confiança inconfundível das asas, revoam sobre a placidez da manhã,
soltando pelo ar a magia da criação que se expande em meus olhos...
Emerjo do ostracismo, num olhar que, lânguido, se esgarça
num silêncio que grita. Meus pés caminham como se ainda pisassem nas nuvens dos
sonhos que a noite soprou e entre o espanto e o encanto, me posto diante da
cena, do sobrevoo amplo das aves que visitam meu canto, e já tão cedo. Como um
balé sem ensaio beirando a perfeição. Desperto, olhos chuvosos de gratidão e
respeito por permitir-me a essa visão... O pensamento acompanha a coreografia.
A alma respira e vibra. O corpo responde vida...
E a vida vai assim, como um acaso brincalhão, caindo de meus
olhos como um caramanchão de flores trepadeiras de violáceas vibrações, quando
um e outro entram na casa, brincando de estarem desnorteados, mas tão
sorridentes por se saberem seguros num lar que os abriga. E a todos...
E eu, estátua apenas, mesmo com o coração aos saltos salto
de vez para o mundo dos sonhos e começo a escrever este conto enquanto ainda
ouço ao longe o bater das asas desta felicidade tão sutil que há pouco
ultrapassou a porta e seguiu a sua busca de ninho. Assim como nós humanos que
buscamos ninho em nuvens de vento.
Sigo a dança que avança rítmica por todo espaço da casa,
agora entremeada pelo canto macio e leve que me faz flutuar.
Então, minha alma agradece aos parceiros com um breve aceno.
Até amanhã, passarinhos - peço eu, em silêncio. -
ASAS - Marcia Poesia de Sá & Lena Ferreira