segunda-feira, 25 de março de 2013

TIC TAC

TIC TAC

A noite se espreguiça de mansinho enquanto teço minha colcha de lembranças. Em retalhos bem cortados, passo a linha com cuidado para não ferir cada pedaço. Ao lado de mim, a cestinha de costura me observa atentamente como a verificar se aprendi o caminho certo a seguir. A cada ponto transpassado, ouço o balanço lento das cortinas brincando com o vento. Saúdo com um sorriso e continuo com a tarefa, tranquila e serena. Sinto-me capaz. 
Bordo no tecido branco da minha memória mais um coração, desenhado com ponto cruz. E nessa cortina de recordações, vejo despedaçado, os sonhos nos quais envolvi meu corpo, minhas imagens ilusórias, enfim meus fracassos. No ondular da cortina surge o velho gato que acompanha toda essa trajetória  de danças e quedas. 
Tic tac é o nome desse amigo e cúmplice, que quase não emite mais emoções devido ao cansaço da idade. Teço pontos desconexos e furo o dedo varias vezes com essa agulha malvada que insiste em me ferir. Tic tac me olha com seus olhinhos quase fechados, uma demonstração de carinho. E o seu nome me lembra do relógio da vida que passa tão rápido e eu ainda preciso vencer barreiras...
Tic tac é insiste! Tique-taque, tique-taque...Agora lança-me um olhar provocativo quase desafiador, como a me cobrar o cumprimento da tarefa. E apressa-me...Será que perdi a noção do tempo? Ainda falta o acabamento e os fiapos de lembrança se espalharam  pelo tapete macio. Decido por não catá-los. Deixo que o vento os leve. Quem sabe, cheguem até você...
Mas o bichano, num olhar de súplica, parece que implora para que eu permaneça por perto dele. Dei meia volta e juntei todos os fiapos e fiz uma bolinha para o Tic Tac brincar. Com seus olhinhos quase fechados, meu bichano querido ensaia um pulo e brinca com a bolota de fios que logo se embaraçam em suas patinhas Fico encantada com o esforço, do amigo fiel só para tentar me agradar. Sentei por mais uns instantes, tirei o alinhavo da costura e enfim terminei  um trabalho artesanal que tanto consumiu meus momentos. Deixei apenas os pontos definidos da imensa colcha colorida e aconchegante.
Fui para meu quarto e carreguei o bichano, para facilitar seu caminhar, que já não é tão seguro. Estendi a bela colcha na cama e fiquei por longos momentos observando extasiada a beleza do colorido e a combinação das cores e desenhos. Tic Tac, todo orgulhoso, pula festivo sobre a cama de casal, como quem diz..." Aqui só tem lugar para nós dois." Deitei olhando para o teto lilás do meu quarto e concordei, pensando....Preciso acordar!


Lena Ferreira & Angelina Cruz

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