quinta-feira, 21 de março de 2013

DELÍRIO CARNAVALESCO

DELÍRIO CARNAVALESCO

Abri tão ligeiramente a janela do quarto triste e escuro, olhei pro céu todo iluminado e sua luz me envolveu toda. Senti nos ossos o gelo da solidão. Vislumbrei o passarinho que acabou de pousar na janela, um esplendor de azul-anil nas asas, seu peito amarelo-girassol, o bico bem verdinho-folha mesclado com preto e escuro era o seu pé direito porque o esquerdo mesclava com o azul da asa e verde do bico... Olhando pra ele me lembrei do carnaval, saudoso instante de 1943... 
De repente suas cores me inspiraram máscaras e fantasias coloridas. Havia tantos sorrisos, notável perceber o quão entusiasmante é esta festa. Sem perceber já estava bailando e murmurando marchinhas carnavalescas. Meus cabelos longos e loiros bailaram como serpentina no ar, gotículas saltavam dos olhos igual confetes, todo o lugar virou a avenida dos sonhos... Num forte ímpeto deixei tudo e contemplei cada recordação... Logo estou a correr pelos corredores... Sabia que precisava ser tocada pelo sol e sentir nos pés o ríspido paralelepípedo. Dancei entre tempos paralelos, o passado e o agora se encostando em vida e saudade. 
Mergulhei nessa nostalgia tão intensa, que bailando, nem senti meus pés se ferindo e sangrando, nos pedregulhos soltos da rua. Tão distante estava minha juventude, minhas delícias, meus sonhos...Tão distante como o colorido pássaro que depois de pousar sobre o imenso pé de Flamboyant, bateu asas e voou, para nunca mais voltar. Continuei meu delírio ao som de " O teu cabelo não nega, Amélia mulher de verdade, alálaôôô...ai que calor".....Sentei no duro meio fio, atordoada, quase desfalecida. Bandas passavam, colombinas, bêbados, equilibristas, casais enamorados e eu lá no breu da minha solidão, sem rumo, perdida na imensidão dos anos que tão rápido passaram.....
Tentei então aos poucos me levantar, mas foi em vão. Me escorei na mureta que circundava o pé de Flamboyant e enfim, consegui dar os primeiros passos, ainda que trôpegos, quando uma aragem parecia me conduzir, sem que tocasse os pés no chão. Senti até aquela mão forte me apertando os ombros, como que dizendo: confie em mim, estou aqui. O medo foi tanto, que desejei no fundo da minh'alma, não continuar o caminho de volta! Sim; um medo imenso de acordar.......
Só que ao firmar bem meu olhar, deparei com a fria realidade. Mãos tremulas, olhar sombrio, corpo encurvado, próprio de mendigos, que envergonham-se de si mesmos, aproximou-se sussurrando: -Não se assuste. Sou eu mesmo. Um fugitivo de mim, ébrio viajante rumo a lugar nenhum. 
Não contive a emoção, debulhei-me em lágrimas, como há muito tempo não conseguia nem mesmo chorar. Quis fugir, quis enganar meus sentimentos, mas tudo foi em vão. Como vã tem sido a vontade de continuar, resistir....

Bia Cunha & Angelina Cruz


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