quinta-feira, 29 de outubro de 2015

ASAS

E da profundidade úmida e ainda escura da mata que docemente prateia com ínfimos raios de sol quando os relógios da manhã ainda se espreguiçam sonolentos, vejo subitamente sobre os quadriculados da armação da porta, dois passarinhos em dúvida do que fazer. Seus pés são frágeis. Mesmo assim, numa confiança inconfundível das asas, revoam sobre a placidez da manhã, soltando pelo ar a magia da criação que se expande em meus olhos...
Emerjo do ostracismo, num olhar que, lânguido, se esgarça num silêncio que grita. Meus pés caminham como se ainda pisassem nas nuvens dos sonhos que a noite soprou e entre o espanto e o encanto, me posto diante da cena, do sobrevoo amplo das aves que visitam meu canto, e já tão cedo. Como um balé sem ensaio beirando a perfeição. Desperto, olhos chuvosos de gratidão e respeito por permitir-me a essa visão... O pensamento acompanha a coreografia. A alma respira e vibra. O corpo responde vida...
E a vida vai assim, como um acaso brincalhão, caindo de meus olhos como um caramanchão de flores trepadeiras de violáceas vibrações, quando um e outro entram na casa, brincando de estarem desnorteados, mas tão sorridentes por se saberem seguros num lar que os abriga. E a todos...
E eu, estátua apenas, mesmo com o coração aos saltos salto de vez para o mundo dos sonhos e começo a escrever este conto enquanto ainda ouço ao longe o bater das asas desta felicidade tão sutil que há pouco ultrapassou a porta e seguiu a sua busca de ninho. Assim como nós humanos que buscamos ninho em nuvens de vento.
Sigo a dança que avança rítmica por todo espaço da casa, agora entremeada pelo canto macio e leve que me faz flutuar.
Então, minha alma agradece aos parceiros com um breve aceno.
Até amanhã, passarinhos - peço eu, em silêncio. -



ASAS - Marcia Poesia de Sá & Lena Ferreira


sábado, 24 de outubro de 2015

EXTRAVASANDO EMOÇÕES

Eu não busco a perfeição
só a leveza de minh'alma
pois, quando escrevo com o coração....
é esse desabafo que me acalma...

Exponho minhas ansiedades
em letras nuas e sinceras
derramando minhas verdades
guardadas em mim, por eras

Para que as emoções extravasem...
sinto que assim me liberto
que somem as dúvidas que me invadem....
porém, nem sempre acerto...

Mas, nem por isso desisto
continuarei tentado e ainda mais
erro, acerto; que mal há nisto?
escrever o que sinto me satisfaz!

.

Valdilene D M da Silva & Lena Ferreira

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

NEM AS PEDRAS


Peles, poros, cabelos, sentimentos
arrepiam com sua desenvoltura
não lhes escapam os comprometimentos

pois nem as pedras ficam imunes ao vento

Folhas, flâmulas, plumas, inventos
rodopiam com nova textura
não desviam ao seu movimento

pois nem as pedras ficam imunes ao vento

Poemas, pressupostos, luas, segredos
estremecem ao vê-lo passar
não lhes recusam folguedos

pois nem as pedras ficam imunes ao vento

Passos, pesos, ombros, medos
emudecem ao vê-lo cessar
e a cessação é como degredo

pois nem as pedras ficam imunes ao vento



Anorkinda e Lena Ferreira

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

NA MATA

Foi na trilha da mata
que dei o grito
assustei os pássaros
acordei perigos

Desenhei no papel
intolerável sentença
joguei fora os anéis
perdi a paciência

Foi na água da cascata
que reinventei meu rito
ensaiei  novo pouso
construí outro abrigo

E, no azul do mesmo céu,
restaurei a presença 
de um leve viés
à minha consciência



NA MATA - Andréa Iunes & Lena Ferreira - 

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

RASTILHO

O sol se vai e deixa rubro
o céu de espera, mês de outubro,
onde lembranças ardem em brilho

De esperança, então me cubro
na quase noite onde vislumbro
o aceno de um outro sibilo

O sol deixou promessas,
o vento enviou as remessas
de paz como um rastilho

De temperança às avessas
na possibilidade de que impeças
o fluir da mansidão em sigilo



Lena Ferreira & Anorkinda

sábado, 10 de outubro de 2015

DO CONTRÁRIO

Após um banho despetalado de mim, cuido da alva pele que me reveste, ressecada pelo tempo, mas hidratada pela serenidade. Despida e quieta dirijo-me a mim. Diante do espelho não vejo o que olho, consciência tenho que minhas retinas me fitam, mas só encontro a menina sem riscos na face, com o seio nascendo, braços e pernas finas, sorriso contido e lágrimas incontidas. Observo o retroceder da cena, o suor dos olhos limpando a trela da maquiagem, o tempo uivando convites e despertando os ânimos esquecidos. Sem demora, a menina que vejo, salta, brinca, ri e chora, esquecida dos olhos ocultos que espreitam seus atos impensados. Ingênua, pensa, ainda, que pode alcançar liberdade e num rodopio fremente ergue os braços e espanta a fumaça que embaça os meus pensamentos. Rodopiando entre fases e lugares, alarga os espaços do passado e do logo mais, entre devaneios e alucinações, gargalho em ênfase ao desabafo dos atos secretos. Entre eus e múltiplos contextos os segredos se desvencilham, encaixa-se na minha Pandora e num desarrumar de formas não fecho, não me fecho. Brinco. Faço-me feliz sem logo mais. Agora. Meu tempo ou minha idade se determinam no malabarismo do vento, eu não enxergo. Quem enxergará? Só do avesso tem segredos para entrar? Quem os sabe além de mim? Não me revelo, me resvalo…
…do contrário não me seria. E hoje me sou!




Bia Cunha & Lena Ferreira